29.03.05
Fragmento 27 Recorda-me
Angel-of-Death
Guarda-me, junto a ti, dentro do teu peito. Guarda-me, como eu te guardo a ti, junto a ti em pensamento, te recordo, recorda-me também, recorda todos os momentos, todas as mágoas e alegrias, recordo eu, todos os dias, todas as vezes que me senti perdido, todos os sonhos em que me encontrei. Recorda-me, como eu me recordo, feliz, triste, tentando falar comigo mesmo, dizendo-me coisas que não entendo, ouvindo vozes de mim, que me falam em línguas que não conheço, que me tentam mostrar-me quem sou, quando ás vezes nem sei se existo.
Nem eu, nem tu, ninguém sabe quem é. Quem é que me diz? Sou quem e em que mundo? Sou eu, mas de onde vim, onde estou, porque me sinto tão perdido em mim, porque só me encontro em sonhos? Talvez nem eu próprio seja real, se é que o real existe e não somos todos uma fantasia, produto da imaginação fértil de alguém. Mas penso, e depois, o penso logo existo, é facilmente contestado na minha mente, talvez uma mente estúpida que não tem mais no que pensar, que não tem inteligencia para raciocinar, ou tão grande e infinita, que tudo o que sabe fazer é tentar deitar por terra, tudo o que outros levaram anos a pensar.
Recordem-me, como eu não me recordo e há muito já esqueci, recordem o que não fui nem aprendi. O universo é infinito e dizem que continua até a expandir-se, mas para onde? Dentro de quê? Como pode algo expandir-se dentro de si mesmo, ou haverá algo maior, contendo vários universos, e nós tivemos o azar ou a sorte, de vir parar a este. Se imaginarmos que este universo é infinito, ou quase, e que levaríamos milhões de anos a atravessá-lo, imaginemos então, que tamanho terá a caixa, onde supostamente o nosso deus, guarda todos os universos, teria de ser gigantesca, inimaginável, ou era preciso sim, uma imaginação muitíssimo boa. Ou, talvez seja tudo de uma mente demente e louca como a minha, talvez eu realmente exista e por algum motivo incompreensível, sou só eu que estou errado e não o mundo inteiro.
Egocentrismo não me falta, mas não, não sou assim, eu so tento convencer-me de que há algo mais para se ver, para se viver, do que só isto simplesmente aqui. Proponham-me um desafio, mostrem-me algo que desperte a minha atenção, mas a questão talvez seja essa, o que será que me desperta a atenção hoje, porque certamente amanhã será diferente.
Recorda-me, como a chuva de outono, como o cair das folhas, recorda-me como o sol de verão, quente, como as ondas do mar, quando batem nas rochas e deixam aquela espuma leve no ar, recorda-me como o vento livre, que passa por entre os teus cabelos e te diz palavras bonitas ao ouvido.
Vê-me, vê-me numa flor, no vermelho de uma rosa, no branco de um malmequer, pois eu sou tudo e me pareço com nada, sim, recorda-me, recorda como te falei, que foi que te disse como te marquei, como foi, como sou, como querias que eu fosse. Não seria então diferente? Não seria eu, não era verdade, e verdade eu fui, eu sou, serei, verdade pura, como a neve branca de inverno, como a água fresca das nascentes, caindo nas pedras e formando pequenos lagos, doces, cascatas de amor, luz, pequenos arco-íris, que se formam, cores, vida, paixão.
Recorda-me, como te recordo também, minha, breve, mas por momentos em meus braços, que como fortes lianas tentaram prender-me a ti, não mais, o espírito é mais forte, livre, não há quem possa prendê-lo, nem quem possa dele fugir. Como posso fugir de mim, será isso possível?
Diz-me, sou aquilo que imaginaste, fui aquilo que querias ter? Breve, livre, mas intenso, fui vulcão, bomba nuclear, consumimos o fogo de mil sóis, roubamos o brilho das estrelas, ofuscamos a beleza da lua, breve, mas intenso, recorda-me.
Esquece-me, sim esquece, se assim o desejares, esquece tudo o que fui para ti, ás vezes muito sofrer, outras muito prazer, muita emoção, fui, fui só eu, tentei só ser verdadeiro, sei que ás vezes me esqueço dos outros, não o faço por mal, ando rápido demais, penso rápido demais, mas, tenta.
Tenta recordar-me.
By: Angel-of-Death
In: "O espelho e eu"