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thefallenangel

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06.01.05

Fragmento 15 – Como sou, como fui, quem não serei


Angel-of-Death

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Noite, escura, quente. Centenas de estrelas nos vigiam, enquanto saímos de um bar, a aragem fresca vinda do mar, refresca-nos um pouco o rosto e faz levantar levemente a tua saia, só um pouco, o suficiente para eu notar.
As luzes do caminho parecem ofuscar-me, enquanto te levo a casa, por pouco não o confundo a lua com um candeeiro ao fundo da rua, sono, acho que estou cansado, mas não o sinto, não deixo que tome conta de mim. Pedes-me que fique, a casa está vazia, sem luz, não a acendo, prefiro manter-nos na escuridão da noite, só uma pequena janela, deixa passar alguns raios de luar, que dão um toque mais romântico àquela sala enorme. Tinhas tudo planeado, a estratégia bem definida, uma garrafa de champanhe nos esperava, na mesa ao pé do sofá, alguém me queria conquistar esta noite, mal sabendo que a conquista fôra já feita á semanas atrás.
O barulho das bolhas do champanhe, pareciam ecoar nas nossas bocas e faziam carícias, enquanto desciam pelos corpos desnudos, que se moviam ritmadamente, em sintonia, como se já se conhecessem de há muito tempo, como se não fosse esta a primeira vez que nos amávamos. A noite avançou, mas o tempo não se moveu, ficou a olhar-nos, de longe, do lado da lua, pela pequena janela, por onde entrava o luar, ela cansada, adormeceu, a meu lado, tão serena, quase conseguia vislumbrar um sorriso no seu rosto adormecido, as suas faces ainda levemente vermelhas, do calor que havíamos gerado que nem o champanhe gelado conseguiu arrefecer.
Levantei-me, muito devagar para não acordar o meu anjo, abri a varanda e saí para o ar mais fresco da noite, a madrugada já ia alta e a temperatura baixara razoavelmente, sentei-me no chão encostado na parede, acendi um cigarro, procurei nas estrelas o olhar dela, que me queimava, enquanto o cigarro se consumia, lembrava-me de cada gesto, cada palavra, cada gemido, cada tremor de prazer, mas tudo acabou, tudo tem um fim, sou um pássaro livre, dentro de uma gaiola, como uma flor, quando se colhe, mais tarde ou mais cedo murcha, seca e morre. Mas como lhe dizer, como explicar, como partir sem magoar, sem me magoar a mim também, sem sentir o que me pesa no coração, não sou rocha, sinto, escondo, oculto, posso nunca dizer ou revelar a alguém, mas sofro, já sofri por amor, e um dia voltarei a sofrer, mas nunca me vou entregar, de alma de coração e de corpo a ninguém, sei como sou, magoo as pessoas sem querer, magoo-me a mim sem querer, não resisto, não é a dor que me atrai, é o ser, a beleza, a paixão, o sexo, é mais forte do que eu.
Dorme, descansa amor, sonha que tudo foi um sonho, deixa de lado a dura realidade, vive em ti num outro mundo, esquece que eu existo, que a dor existe, és, só tu, tu e o teu corpo, tu e o teu ser, sê feliz, como puderes.
Terminei o cigarro, peguei numa esferográfica e numa folha e despedi-me, passei tudo o que sentia para aquele pedaço de papel, como a adorei nessa noite, cheguei mesmo a hesitar, mas por fim, beijei-a e saí. No outro dia o telefone tocou, ela compreendia o meu sentir, disse-me que eu era como a primavera e que tinha de florir.
Ainda hoje, graças aquele pedaço de papel, onde escrevi tudo o que sentia, somos grandes amigos e ocasionais amantes.

By: Angel-of-Death
In: "O espelho e eu"